sábado, 22 de dezembro de 2012

Ao mestre com carinho

Tarde de sábado, esquina da General Osório com o Largo, chega mestre Paulo com uma escadinha para ajudar a colocar a lona e dar início a mais uma roda de samba.
Aquele dia seria especial, era o desfile do cordão da Rua do Samba Paulista. Meninos da cracolândia, bolivianos, gays, travestis, bancários, jornalistas, professores, africanos, todos cabiam naquele evento.

O desfile era encantador, o cordão aumentava e a cada esquina era incorporado por mais mestres que contribuíram para que o samba saísse.
Feijoada, Lagrila, Hélio Bagunça, Dona Zefa, Maria da Penha, Bernardete, Seo Nenê e Tantos outros.

Mestres que nos ensinaram que a vida também é feita de sons e ritmos. Deixaram esse legado com os pacientes do Caps do Bibi-tantan que embalados pelo surdo ensinado por Mestre Paulo, faziam com que o mestre sala e a porta bandeira girassem alegres e delicados, pois foi assim, que eles aprenderam no ensaio, a alegria da vida.

Mestre Paulo sorria e batia no bumbo tão forte quanto as batidas do seu coração. Todos que participaram desse cordão, cantavam sem perder o ritmo e a ginga, que de longe se escutava: ‘Agoniza mais não morre’.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Mata – O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia


 
Década de 70, ditadura militar, Genoíno chega no fim da tarde no colégio Equipe, sobe a escada para dar aula de história no cursinho do colégio. Falou sobre a época e contou a sua história no Araguaia. Falou sobre o major  Curió e suas barbáries, que eram muitas, não muito diferentes daquelas de Duque de Caxias no Paraguai ou do que aconteceu em Canudos ou Contestado.
Curió virou nome de cidade no Pará (Curianópolis), fonte de riqueza através do ouro, a cidade se tornou popnto central da espinha dorsal do Bico de Papagaio. Geograficamente, o Brasil se encontra em várias quebradas como Monte Santo,  Juazeiro, Serra da Barriga, Heliópolis e Paraisópolis.
Paraisópolis por exemplo,  era refúgio de ‘Piauí’, liderança do tráfico na favela e membro do PCC. Piauí também era o nome de um guerrilheiro do Araguaia, filiado ao PC do B, um foi morto em 1970 e outro foi preso e encaminhado para Rondônia num presídio de segurança máxima, ainda na semana passada.

O que há em comum entre os dois? Piauí – o morto ‘foi jogado no Vietnã, buraco aberto, no fundo da casa azul. Ali dormia, recebia lavagem e pauladas. Na cela sofria choques de 220 volts, gerados por baterias de telefone, tapas simultâneos nos ouvidos e socos nos rins, no fígado, no estômago, no pescoço e no rosto.’
Já Piauí – o vivo está preso em regime disciplinar, com direito a duas horas de sol por dia, mas não tem que comer lavagem como o morto.

O que mudou de lá pra cá? Genoíno, já não é mais aquele professor magrinho e cheio de ideais que subia a escada do Colégio Equipe e ensinava história com os olhos brilhando.
Perdeu o brilho dos olhos e como castigo voltará para a cadeia. Não encontrará Piauí, seu grande amigo, mas poderá encontrar com o outro. Curió continua numa boa, quem sabe se a comissão da verdade dará um ‘apavoro’ nele.

Leonêncio Nossa retorna um pouco no tempo e propõe um acerto de contas que foi descartado e respinga nos tempos atuais através de corrupções e barbáries, o que se estruturou como sustentáculo dos pilares do Major Curió.
 
Paulo Rafael da Silva
Historiador e Educador
23 de novembro de 2012

domingo, 16 de setembro de 2012

O circo chegou, vamos todos até lá!



O circo e sua magia foi o tema que a Escola de Samba Flor da Vila Dalila escolheu para representar o carnaval de 2013.

Ano este que celebrará os 40 anos de vida desta escola tão querida que conta com um passado de muita luta e resistência.

Luta por fazer parte da tradição do samba e para sobreviver numa sociedade preconceituosa em relação à cultura popular e seus seguidores.

Foi necessária muita resistência para sobreviver às adversidades da vida que por vezes nos cobra de uma maneira contundente.

Situada próxima ao rio Aricanduva, teve sua quadra algumas vezes invadida pelas águas implacáveis que transbordavam, causando muitos estragos em suas fantasias e carros alegóricos, pondo a perder todo o trabalho realizado por muita gente, na tentativa de fazer um carnaval bonito.

Mas a escola resistiu a tudo isso e hoje se orgulha de escolher como tema o Circo - o lugar oficial da alegria, como representante dessa história de algumas tristezas mas também de muita felicidade.

Estamos orgulhosos com isso! e vamos juntos encontrar o melhor jeito de contar essa bonita história!!!

 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Sempre a mesma neve, sempre o mesmo tio...


 
Herta Miller, uma escritora romena, recebeu o prêmio Nobel de literatura em 2009. Poetisa, ensaísta e romancista, Herta bate na tecla do tempo em que era esperada pelo serviço secreto romeno, tendo seus passos seguidos por todo o sempre, assim como Caetano Veloso  e Chico Buarque, dentre tantos outros, foram perseguidos na ditadura militar.
Recebeu convite para se tornar espiã, foi perseguida no trabalho, teve vontade de morrer, estes e outros temas, fazem com que o livro de Herta se assemelhe com outros dois livros escritos por  brasileiros.

São eles: Passageiro do fim do dia, escrito por Rubens Figueiredo e editado pela Cia das Letras e Estive em Lisboa e lembrei de você de Luiz Ruffato, pela mesma editora.
Rubens descreve o trajeto de um passageiro que ao final do dia , cansado, lendo um livro de Darwin, sobre o Rio de Janeiro descrevendo as paisagens e a natureza das espécies.

O tempo para o passageiro é monótono e intenso como o de Herta, tempo de muita pressão. Pressão pelo poder, oficial ou paralelo. No caso de Herta, o poder aparece sob a análise de Canetti, pensador italiano que diz: ’O poder quer sempre crescer, seu crescimento não tem limites impostos pela natureza.’
Natureza carioca de Darwin e o poder paralelo de Rubens é o que faz com que o passageiro do fim do dia sonhe em pé, dentro de um ‘ônibus lotado e sem rumo’, com o prato preparado, com as compras do mercado feitas por ele e sua companheira.

Já Herta começou a sonhar nas escadas da fábrica onde trabalhava, pois era preciso fazer mais do que era possível ser dito.
Sonhos apesar das dificuldades, necessidade de encontros.

Já Ruffato, com seu personagem Serginho, sonha com a possibilidades de ter um descanso em Cataguases, norte de Minas, mas pra isso terá que passar por Portugal, destino de vários brasileiros, caboverdeanos, guineenses, angolanos, moçambicanos, saotomeenses, ó pá!
Sonham em decifrar seus próprios códigos e também os alheios, para  através disso, tornarem-se parecidos com os personagens de Herta e de Rubens, mas sem nunca esquecer que Herta, Caetano e Chico, dentre tantos outros, tiveram seus sonhos em parte, interrompidos.

Paulo Rafael da Silva
Julho/2012

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Bravura e Brilho


Lorenzo foi buscar o vovô e a vovó no aeroporto.
Olhou a fonte jorrando água e sorriu, depois apontou o papai...
Brincou de músico, fez aquecimento e jogou capoeira. Dormiu, acordou com pique e foi ao parque.

Viu teatro, correu na grama, olhou por cima e viu seu pai. Correu atrás dos pombos e acabou empurrando um pintinho de asas abertas, tudo isso, no Planalto Central.
Lorenzo fez disso sua alegria e alegria dos avós... que ficou parecida com o sorriso dado quando viu a água jorrando da fonte do aeroporto.

Lorenzo tem,’ bravura e brilho!!!’
 
 

domingo, 15 de julho de 2012

Pendenga entre Nego Dito e Negro Gato



Pra quem assistia samba de bumbo no Tietê com rezas do seu Geraldo e teve que mudar pra Cascavel, até que Nego Dito era calminho, na medida do possível. Gostava de brincar com as palavras e ouvia falar que no Rio tinha outro Nego, o Negro Gato.
Esse,  era garoto esperto, subidor de morro e gingado descolado, já, ‘Nego Dito Cascavel vulgo beleléu’ era magrinho, perna fina, jogava bola e sambava no terreiro.
O Negro Gato, floreava as palavras, era bom na pipa, subia na laje, fazia poemas e dialogava com o mundo com sua fala afiada, não como o blá, blá, blá de Nego Dito, mas nem tão diferente assim... uma de suas frases era: ‘se chamar a polícia a boca espuma de ódio!’
Nêgo Dito tinha um jeito todo especial, óculos escuro, aros vermelhos e várias outras cores, cabelos trançados, calças de couro, coletes coloridos, sapatos macios. Pisava como uma pluma sobre flores, sobre as orquídeas, que era as que mais apreciava, apesar de ser da pá virada.
Já Negro Gato, gostava de óculos de aros brancos e pingos de ouro nas pontas. Tinha toques de arco-íris nas pernas das calças e cabelos como se fossem tranças e na verdade eram...
Subiu o morro como se tivesse sete vidas e tinha, fugia dos inimigos, pulava entre as vielas e saltava para o mar... na praia jogava sua bola, versava sobre fadas, pérolas negras e brancas sobre sua mãe que lavava roupas todos os dias. Enquanto isso, seu pai fazia musica e encantava as almas e Negro Gato aprendia sua melodia.
Procura-se um mestre.
Dito que ouvira a estrofe: ‘eu daria tudo que tivesse para voltar aos tempos de criança’ ficou mais que esperto, arrancou os  óculos prateados e seguiu em direção ao som que ecoava entre montanhas e vales. O cenário era verde e a vontade de chegar parecia com a vontade de chupar laranjas maduras na beira da estrada.
‘Cai fora malandragem, não meta a mão em cumbuca’, quem dizia isso, era um preto velho magro, estiloso com uma bengala na m,ao direita e um lenço branco na esquerda, um perfeito griot. Nego Dito arrepiado e com os cabelos em pé, saltou de lado, cruzou os dedos, mas não perdeu a pose, falou em alto e bom tom: ‘covarde sei que me podem chamar’. O griot deu risada...
Já Negro Gato ficou sabendo de uma cabritada lá no morro, colocou seu terno branco combinando com o sapato e o chapéu panamá, mal entrou na festa, viu um camburão subindo a rua e todos saíram correndo deixando o cabrito sozinho no meio da mesa... Negro Gato ainda parou no meio do Caminho mas uma voz ao longe gritou: ‘ei malandro, não meta a mão em cumbuca’. Era um capoeirista com um berimbau colorido, um belo sorriso e seu refrão preferido era: ‘o escurinho, era um escuro bonitinho que lá no morro tinha fama de brigão’, também era um mestre!

Voltando às Montanhas.
‘Meu, você sai lá da ZL, vem pra minas, especificamente Miraí, atrás de um griot e esquece que do seu lado tem um nego velho, com sapatos engraxados, pandeiro na mão e que também é um grande contador de histórias. Gosta de samba como ninguém, veio de Minas como eu, cai no congo, no dendê e seu nome é Nenê.
Mora do lado da sua casa, sabe aquela rua em frente a quadra do samba? Lá ele montou uma escola que ensina a meninada a tocar bumbo, cuíca, reco-reco, frigideira e tambor. Dizem que ainda dá uns passos de capoeira e também joga tiririca.
Quando você for à feira escolher laranjas, dê uma passada por lá e converse com ele, acho que você vai gostar’.


Voltando ao Morro.
‘Oi cara! Você atravessa o morro, pra se dar mal, sendo que do seu lado  tem um fulano todo bonitinho, bengala em cima, colarinho passadinho, camisa listrada e também cheio de boas intenções, quer montar uma escola.
Dizem, que não deixaram, nem ele , nem seus amigos, freqüentarem as outras... Aquelas que  apenas  alguns tem permissão’. Seu Ismael era o cara!
Amigo de Antonico, tinha andado na corda bamba. Chamou outros mestres, levantaram muro, criaram espaço, pintaram de várias cores, cores da vida, quiseram colocar um nome, pensaram bem, analisaram, uns a favor, outros contra, e o nome saiu: Deixa falar. E olha que falaram...

Cultura
“Tiririca é faca de cortar, quem pode não intimida, deixa quem pode intimá”, cantava o mestre Nenê do Pandeiro. Nego Dito saracoteava pra lá e pra cá, jogava a perna pro alto, descia, mas não deixava cair o óculos. Agora sua cor, quer dizer, a do óculos, era azul e branco e sua camisa brilhante tinha uma águia com as asas abertas onde podia ser lido: “zona leste somos nós”.
Falaram assim pro Negro Gato, pare de miar meu amigo, vai a luta, aproveite suas sete vidas e comece a falar do seu Morro. Fale de João Mina, de Oswaldo, da Pérola negra ou branca, fale de sua mãe e assim, Negro Gato começou a recordar: ‘Onde o sol bate se firma, my Black, black2back, Jimmy Cliff, Bob Marley, Roberto Carlos’. Pegou um caderninho e começou a escrever: ‘lava roupa todo dia, que agonia...’ passarinho ouviu, eu sou quase cigano, Maura, escola de samba, São Carlos, morro, ginga, vai pra cá, vai pra lá, perna pro alto, segura o óculos malandro. Negro Gato não aguentou, deixou pingar uma lágrima por baixo dos óculos, pegou uma camisa e enxugou seu pranto.

Eis o que estava escrito na camisa: ‘Estácio, eu e você’.

‘Vai cuidar da sua vida, diz o dito popular’, outra vez o dito, não o Nego Dito, mas um dito novo, o Benedito. ‘Vá pro mundo rapaz! Você já falou com Elza Soares da vida? E ela disse: ‘vivi, vi e dividi, noutros continentes, então, procure Elke, mulher maravilha, uma negra alemã. Peça-lhe para falar, que você entende: “Ich liebe dich frau. Mau zen, auer, Heine, sal. Genau, genau. Ich laise, dech frau, genau, genau. Um guter, morgen já. Das heind alo Alá. Arz\eit, guten natch und amém.”
Nego Dito, Benedito Beleléu estava batizado em outra lingua, comendo feijopada em alemão, comendo queijo suíço, o ritmo era outro, o fio era outro, o calor humano era outro.
Dito pôs-se a pensar: ‘ser ou não ser, será o Benedito?’ Voltou mais maduro, arrumou uma cuíca, desceu no Bixiga, pegou um o pandeiro com o Oswaldo e sapecou: ‘quem nunca viu o samba amanhecer...’
Elza e Elke gostaram.

 Já Melô, foi pra Bahia.
Ver o por do sol no Farol da Barra, super tudo, super herói, herói carioca, dos morros, no coração do Brasil.
Se apaixonou pela baiana Maura, ficou naquela que dá dó, olhando a lua andar só. Mas isso foi o alimento da horta, conheceu a garota Jane, outra paixão e Negro Gato ficou louco, deu pra escrever em forma de poesia, coisas que só o amor explica.
Jogou capoeira com Mestre João Pequeno e falou com o Cobra Mansa, outro mestre. Seguiu bailando por Pituaçú, a Lagoa Encantada, vendo fadas e borboletas, sonhou sozinho e deu passos pensando nas conversas com os mestres. Ilusões fartas.
Quase morreu de amor, virou passista da vida, ouviu Bob Marley pra entrar no ritmo dessa vida e Roberto Carlos pra reforçar seu amor.

Dançou nos bailinhos, ouviu blues, rock e samba junto com o Riachão. Frequentou a Cantina da Lua e chegou a uma conclusão: ‘minha música sou eu’.
Não quis se tornar um mico de circo, procurou por Ébano, foi pro Ilê, e na liberdade tentou ser  peregrino sábio dos enganos, e apesar de apaixonado sentiu saudades das subidas dos morros cariocas.
O rapaz era felino, negro gato um felino que também gostava do asfalto. Então, voltou com outras ideias, queria ir pra São Paulo.

 Persigo São Paulo
Não, não, São Paulo é outra coisa, não é exatamente amor, é identificação absoluta. Vovcê vai conhecer o Lira que é paulistano ou a Lira Paulistana, o mercado da pulga. Vou te apresentar uns amigos que tocam com o vento, que fazem boa música. A Lira, a música que você escolheu. Faz música com o corpo, com a boca, tem cabelo de meduza como o nosso. É grande e é gigante. Gigante, negão como o Negro Gato e Nego Dito.
Música na veia pra ficar pirex. E aí Melô, vou te levar pra leste, mas te fou um toque. Porra meu! Não dei rolê de rolex, sou louco, moro na Penha, zona leste, seja bem vindo, obrigado, Benedito João dos Santos Silva, vulgo Beleléu. Achei maravilha porque vocês me transaram numa maior, aqui e em Salvador.
Achei vocês, figuras legais, gostei de conhecê-los, gigantes músicos soprando vidas pelos metais e pelos movimentos de pretos e brancos, mas sobretudo, Pretobrás, vamos incomodar muita gente.

 Circos Voadores
Não é que Melô levou-os ao circo? Junto com o Farofa, que era carioca e tinha outro Medusa chamado Jorge, não era velho, mas era negro. Negro Jorge, cantou pro Dito, falou de são Benedito, Inhansã, Cosme e Damião, cantaram juntos, Jards, Melodia, o tempo todo.
‘Chega aí meu irmão, vou te mostrar o mangue. Você já falou: Deuhslment, duth free e daí? Cantar estancou meu sangue.” falou Seo Jorge para aquele outro negro, ou preto, Pretobrás.
Melô aproveitou pra agradecer o role sem rolex e por falar em pirex, rumou pra Engenho de dentro, falando da cabine 103.
Antes disso, passaram no Estácio e em São Carlos, olharam a infância do alto, rabo de pipa, olho de vidro, virou condão.
Pegou um violão e junto com vários professores de boinas  e óculos gatinho, saíram cantando: ‘se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí.’ Ali também tinha Lira, apesar de ser um circo. Os metais eram afinados, senhor Moura, Oswaldo e Jorge. Assim, Beleléu voltou contente para a ZL, o senhor Brás, agora era um Pretobrás.
Começava assim, a mais nova história.

 Saudades!
Cheguei bem, com saúdo, vestido de luneta, sigo meu caminho, não passo de um malandro, de um moleque do Brasil, obrigado pela recepção, pela lei natural dos encontros, ninguém vê minha sacola.
‘todo bairro tem um louco, que o bairro trata bem, só falta mais um pouco pra eu ser tratado também. Ópios, edens, analgésicos, não me toquem nessa dor, ela é tudo que me sobra. Sofrer vai ser a minha última obra’.
Que mais posso falar dessas coisas que vejo e sinto. Sim meus óculos iguais aos outros, meu suingue também. Aí tem coisa, meus cabelos então, duros, mas meu miolo não é mole, duro ou não, como aquele do farofa ou como aquele do gigante que te falei, parecidos com medusa. Me diga uma coisa: como é mesmo aquele outro que você me apresentou lá no circo?

 Melô responde
Cara, cara, cara, aquele maluco é o Experiência. Damião Experiência, roupas feitas com tampas de refrigerante e violão também forrado de tampas coloridas que abafam o som das cordas, dando outro colorido à música.
Damião tem os cabelos como o nosso e também tem experiência no nome.

Nego Dito reflete
Você me deixa louco, você me deixa de careta. Agora perdi o rumo, somos muito parecidos, mas também diferentes. Não sou seu clone, não és o meu, fale você agora, mas não fale por mim, nem por você. Entendeu?

 Melô arremata
Meu amigo, sou uma pessoa que tá vivendo aquela coisa de são Carlos entende? Não a estrela, porque já tem uma coisa dentro de mim, sacou?
Esse lugar durante minha infância me ensinou muito, aqueles chorinhos e sambas canção que meu pai tocava e falava que era dele, tenho dúvidas, mas eram bonitos. Me lembrava de Beda, magrelinha, fico pensando o tempo todo nisso e isso me balança, fico gingando, entendeu?

 Beleléu reflete
Entendi e não entendi, não é por aí e nem por aqui, agora é que são elas. Orquídeas de novo, meu amigo Arrigo, anota as notas musicais, tubarões voadores, atonais, anotais.

Melô Remete, remetente
Koellreutter meu amigo também atonal é aquele lá. Alemão brasileiro, irmão de músicas novas, músicas vidas, Smetak, Anton. Antonais, atonais, música é vida, música viva, assinado, Melô.
E por aí vai e por aí foram... falando de música, poesia, lindas melodias, falaram de rosas, ‘tu és divina e magistral’ e musicaram a rosa, como Pixinga. Falaram de corneteiros de exército, que viraram maestro. Maestro Moura de naipes e metais, vil metais e por aí vai. Já Beleléu agradeceu a gentileza, convidou Branca di neve e meteu bronca no novo gingado, suingado corporal feito de rodopios e ameaças, nasci no Paraná, pá, pá, pá, pá... Mas não era nada disso, só apresentações, quase todas iguais.

Melô convida
Caro amigo, não me leve a mal, gostaria de revê-lo junto com  seus outros amigos, aqui no Rio, acho que eles gostariam de conhecer o campo do Politeama, fica no Recreio dos Bandeirantes. Já reservei o horário da tarde para que possamos jogar e acabar de vez com essa confusão, todos aqueles que falamos estarão presentes, o juiz será o camisa 10 do Politeama e a torcida, quem quiser é só chegar.
A cor do uniforme será como o do Vasco da Gama, sugiro que vocês venham com o uniforme da Portuguesa. Paulinho como bom vascaíno jogará para nós.

Nego Dito contesta
Não sugira nada Negro Gato, deixe que eu me viro, vai cuidar da sua vida. Eu fico louco, faço cara de mal e faço o que me der na cabeça. Nada disso irmão, agradeço o convite e convidarei o time e a torcida. Arrume um lugar especial para as orquídeas, as crianças, beneditas ou não, o resto é comigo. Viver vai ser a minha última obra. Xis garaviz, tebaida me entibia. Leminski disse.

Pra terminar
Venha com uma musicalidade tirada de alguma forma, ligada numa porrada de coisas, vai fazer amor no ninho, fale de Stolckaussen. Atonal, Milles com seu trompete, Guerra Peixa com a negra Melodia, surra de chicotes, Vila Lobos, tudo conta a favor, favor cantar, cante em qualquer canto, canta a bela com a fera, Jamelão cantando é doidera. Jamelô. Lindas e Negras Melodias.

domingo, 17 de junho de 2012

Bispo do Rosário - A Poética do Delírio.


Artur Bispo do Rosário nasceu em 1909 na cidade de Japaratuba no Estado de Sergipe. Filho de negros católicos, foi educado em meio a uma cultura caracterizada pela mistura de elementos afro brasileiros.
Japaratuba é uma pequena cidade localizada a 54Km de Aracajú, e no século XVI era povoada por seis tribos indígenas, uma delas, comandada pelo cacique Hiparatuba. Esse nome é composto pela junção das palavras Tupi-Y (rio), apara (volta) ituba (frequência, repetição), que remete a ideia de rio de muitas voltas.
O nome da cidade carrega uma simbologia recorrente na vida de Bispo. A população indígena local, teve destino triste. Um surto de varíola fez com que muitos índios abandonassem suas tabas, o que abriu espaço para muitos missionários. Surgoiu então, a missão Japaratuba.
O termo missão, muitos anos mais tarde apareceria num pano bordado por Arthur Bispo do Rosário. Índios e negros foram convertidos à fé cristã.
Japaratuba em datas festivas, através de suas bordadeiras e costureiras, se enfeitava com mantos, enfeites, pontos de cruz, redendês, para compor desenhos e salpicar brilhos nas fantasias.
Dia de reis, nossa senhora do rosário, são Benedito, e a chegança, com marujos, grumetes, toda a hierarquia da marinha, batalhas travadas entre cristãos e mouros, foram elementos recriados em sua obra.
Com 15 anos, Bispo acompanhado de seu pai, alistou-se na Escola de Aprendizes da Marinha. Começou como Grumete, sua tarefa era a manutenção da limpeza à bordo, depois subiu na hierarquia e foi promovido a sinaleiro chefe, como se fosse um comunicador de situações a grande distância e seus braços pareciam que ensaiavam um ágil balé de bandeiras vermelhas e azuis.
O maestro Artur Bispo do Rosário dirigia o espetáculo. No período que serviu à Marinha, Bispo foi boxeador. Coisas referentes ao boxe foram registradas em seus bordados. Neles encontram-se nomes de lutadores, seus contemporâneos. Pugilista português, Antônio Mesquita, Marujo e Agenor Gurgel.
Na semana de natal de 1938, apareceu um grupo de anjos comunicando ao Bispo que ele havia sido eleito pelo todo poderoso e sua missão na terra consistia em julgar os vivos e os mortos e em recriar o mundo para o dia do juízo final, fora ‘Escolhido’.
Foi levado para a Colônia Juliano Moreira onde ficou 51 anos construindo entre outras coisas, o manto para recepcionar seu Pai (Deus) no dia do Juízo final.
Bispo criou com pedaços de sua história pessoal, resíduos da nossa sociedade, um mundo encantado. Miniaturas vitrines, embarcações e estandartes e bordados, vestimentas e objetos diversos, como nas festas que via em Japaratuba.
Seu manto de apresentação para a chegada de Deus, pode ser comparado a um Parangolé de Hélio Oiticica, escritos com as letras do profeta gentileza. A vida transformada em arte.
Arte feita com carretéis, carrinhos de criança, carros de boi, peão, ioiô, canecas, congas, colheres, sapatos, papelão, plásticos, botões, colares, estátuas, bonecas, rodas de bicicletas, vasos sanitários, bolsas, veleiros, camas de Romeu e Julieta em homenagem a sua grande paixão, a psicóloga Rosângela.
Bispo recriou seu mundo através do delírio, seu mundo ficou do seu jeito, carnavalizou a vida e espera que agora,  a Flor do Dalila faça os mantos para os Bispos, todos os loucos do planeta, pois loucura pouca é bobagem!

domingo, 8 de abril de 2012

A Cabritada dos Bentos

Os Bentos fazem aniversário no mês de abril e talvez tenha uma festinha por lá.
Por via das dúvidas passei para confirmar meu nome na relação dos convidados, aprovados pelo seo Antônio.
Eu estava mais ansioso que o Ronaldinho para entrar na lista dos convocados...
Seo Antonio perguntou onde estava, descobriu que estava na casa da fazenda.
Perguntou se eu conhecia um ‘curador’ de perna e também apontou-me o dedo machucado enrolado em esparadrapos.
Já dona Olívia sempre me perguntava se eu era casado, respondi que era tico tico no fubá... Ela quis saber onde eu morava e afinal quem era mesmo a minha esposa?
Confirmou a presença de sua gaitinha na festa e que daria uma canja cantando o hino das Oliveiras.
Já seo Antonio não me respondeu se estou ou não na relação de convidados e alertou que o seo Benedito das esquina completou 101 anos de idade.

Será um presságio do comandante?

De qualquer forma feliz aniversário pros dois!!!!

“Bento fez anos e pra almoçar me convidou. Me disse que ia matar um cabrito, onde tem cabrito eu vou!”

sábado, 18 de fevereiro de 2012

O NOSSO BAILE

Tudo ou quase tudo que víamos projetado na parede parecia com o que fazíamos no chão...

A música embalava nosso corpo gingando e subindo as escadas correndo, atrás de cervejas.
Observávamos divertidos, as pessoas sentadas e comentando sobre o baile. O DJ como se estivesse ouvindo tudo, ria com seus enormes dentes brancos que contrastava com sua pele escura, como os bons e velhos cantores de jazz. Nesse caso, o soul rolava solto na vitrola do Biló.

Alguem cantava: “chove chuva, chove sem parar” e São Pedro ouvia aquilo como um elogia e deixava a chuva rolar.
James circulava pelo lugar com sua cadeira, entre as pilastras e pessoas e fazia do giro da cadeira seu movimento de vida, um passo de dança, e de nostalgia, como o som comandado por Biló.

Rimos e nos vimos na parede, nas escadas, nos movimentos. Então, dançamos, tropeçamos em nossas ansiedades, nossos desejos, nossas paixões e afinal, pecamos por desejar demais...
E a noite passou e trombamos uns nos outros e circulamos felizes pela pista improvisada!

domingo, 15 de janeiro de 2012

Pendenga entre Nego Dito e Negro Gato

Pra quem assistia samba de bumbo no Tietê com rezas do seu Geraldo e teve que mudar pra Cascavel, até que Nego Dito era calminho, na medida do possível. Gostava de brincar com as palavras e ouvia falar que no Rio tinha outro Nego, o Negro Gato.
Esse,  era garoto esperto, subidor de morro e gingado descolado, já, ‘Nego Dito Cascavel vulgo beleléu’ era magrinho, perna fina, jogava bola e sambava no terreiro.
O Negro Gato, floreava as palavras, era bom na pipa, subia na laje, fazia poemas e dialogava com o mundo com sua fala afiada, não como o blá, blá, blá de Nego Dito, mas nem tão diferente assim... uma de suas frases era: ‘se chamar a polícia a boca espuma de ódio!’
Nêgo Dito tinha um jeito todo especial, óculos escuro, aros vermelhos e várias outras cores, cabelos trançados, calças de couro, coletes coloridos, sapatos macios. Pisava como uma pluma sobre flores, sobre as orquídeas, que era as que mais apreciava, apesar de ser da pá virada.
Já Negro Gato, gostava de óculos de aros brancos e pingos de ouro nas pontas. Tinha toques de arco-íris nas pernas das calças e cabelos como se fossem tranças e na verdade eram...
Subiu o morro como se tivesse sete vidas e tinha, fugia dos inimigos, pulava entre as vielas e saltava para o mar... na praia jogava sua bola, versava sobre fadas, pérolas negras e brancas sobre sua mãe que lavava roupas todos os dias. Enquanto isso, seu pai fazia musica e encantava as almas e Negro Gato aprendia sua melodia.
Procura-se um mestre.
Dito que ouvira a estrofe: ‘eu daria tudo que tivesse para voltar aos tempos de criança’ ficou mais que esperto, arrancou os  óculos prateados e seguiu em direção ao som que ecoava entre montanhas e vales. O cenário era verde e a vontade de chegar parecia com a vontade de chupar laranjas maduras na beira da estrada.
‘Cai fora malandragem, não meta a mão em cumbuca’, quem dizia isso, era um preto velho magro, estiloso com uma bengala na m,ao direita e um lenço branco na esquerda, um perfeito griot. Nego Dito arrepiado e com os cabelos em pé, saltou de lado, cruzou os dedos, mas não perdeu a pose, falou em alto e bom tom: ‘covarde sei que me podem chamar’. O griot deu risada...
Já Negro Gato ficou sabendo de uma cabritada lá no morro, colocou seu terno branco combinando com o sapato e o chapéu panamá, mal entrou na festa, viu um camburão subindo a rua e todos saíram correndo deixando o cabrito sozinho no meio da mesa... Negro Gato ainda parou no meio do Caminho mas uma voz ao longe gritou: ‘ei malandro, não meta a mão em cumbuca’. Era um capoeirista com um berimbau colorido, um belo sorriso e seu refrão preferido era: ‘o escurinho, era um escuro bonitinho que lá no morro tinha fama de brigão’, também era um mestre!
Voltando às Montanhas.
‘Meu, você sai lá da ZL, vem pra minas, especificamente Miraí, atrás de um griot e esquece que do seu lado tem um nego velho, com sapatos engraxados, pandeiro na mão e que também é um grande contador de histórias. Gosta de samba como ninguém, veio de Minas como eu, cai no congo, no dendê e seu nome é Nenê.
Mora do lado da sua casa, sabe aquela rua em frente a quadra do samba? Lá ele montou uma escola que ensina a meninada a tocar bumbo, cuíca, reco-reco, frigideira e tambor. Dizem que ainda dá uns passos de capoeira e também joga tiririca.
Quando você for à feira escolher laranjas, dê uma passada por lá e converse com ele, acho que você vai gostar’.
Voltando ao Morro.

‘Oi cara! Você atravessa o morro, pra se dar mal, sendo que do seu lado  tem um fulano todo bonitinho, bengala em cima, colarinho passadinho, camisa listrada e também cheio de boas intenções, quer montar uma escola.
Dizem, que não deixaram, nem ele , nem seus amigos, freqüentarem as outras... Aquelas que  apenas  alguns tem permissão’.
Seu Ismael era o cara!









quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Dona Cize e o Doutor

O Doutor correu pela direita, virou o corpo, foi pra esquerda, gingou e saiu pelo centro. Enganou todo mundo. Fez o gol mais esquisito da sua vida, quer dizer, deixou o time com um a menos.
Falou em campo, bradou na geral e descansou nos bares...Pediu uma gelada e compartilhou com os ouvintes. Golaço!!!
Cantou, representou, brigou, fez tabelas, subiu em palanques... Sua voz ecoou, foi ouvido.

Colocou sua tiara como símbolo de resistência, queria levantar o braço e protestar, nunca estava satisfeito, queria sempre mais.

Já Dona Cize, andava descalça, nas areias de Salamansa, por pura sensibilidade de caminhar nas areias lisas e cercada da cor azul ou verde de um atlântico que foi rota de tráfico de escravos, que aqui cresceram e foram proibidos de usar sapatos...
Por isso, ela resolveu seguir a rota ao contrário, e foi até os colonizadores se apresentar de pés descalços e por isso, tornou-se diva.
Cantou e encantou o mundo, saiu pelo mar, alguns dizem que virou sereia e em noite de lua cheia ainda canta descalça para o mundo e para aquele doutor de tiara na cabeça.
Ambos continuam protestando, cada um a seu jeito, mas a música é uma só: Sodad, sodad de nha terra....