domingo, 15 de julho de 2012

Pendenga entre Nego Dito e Negro Gato



Pra quem assistia samba de bumbo no Tietê com rezas do seu Geraldo e teve que mudar pra Cascavel, até que Nego Dito era calminho, na medida do possível. Gostava de brincar com as palavras e ouvia falar que no Rio tinha outro Nego, o Negro Gato.
Esse,  era garoto esperto, subidor de morro e gingado descolado, já, ‘Nego Dito Cascavel vulgo beleléu’ era magrinho, perna fina, jogava bola e sambava no terreiro.
O Negro Gato, floreava as palavras, era bom na pipa, subia na laje, fazia poemas e dialogava com o mundo com sua fala afiada, não como o blá, blá, blá de Nego Dito, mas nem tão diferente assim... uma de suas frases era: ‘se chamar a polícia a boca espuma de ódio!’
Nêgo Dito tinha um jeito todo especial, óculos escuro, aros vermelhos e várias outras cores, cabelos trançados, calças de couro, coletes coloridos, sapatos macios. Pisava como uma pluma sobre flores, sobre as orquídeas, que era as que mais apreciava, apesar de ser da pá virada.
Já Negro Gato, gostava de óculos de aros brancos e pingos de ouro nas pontas. Tinha toques de arco-íris nas pernas das calças e cabelos como se fossem tranças e na verdade eram...
Subiu o morro como se tivesse sete vidas e tinha, fugia dos inimigos, pulava entre as vielas e saltava para o mar... na praia jogava sua bola, versava sobre fadas, pérolas negras e brancas sobre sua mãe que lavava roupas todos os dias. Enquanto isso, seu pai fazia musica e encantava as almas e Negro Gato aprendia sua melodia.
Procura-se um mestre.
Dito que ouvira a estrofe: ‘eu daria tudo que tivesse para voltar aos tempos de criança’ ficou mais que esperto, arrancou os  óculos prateados e seguiu em direção ao som que ecoava entre montanhas e vales. O cenário era verde e a vontade de chegar parecia com a vontade de chupar laranjas maduras na beira da estrada.
‘Cai fora malandragem, não meta a mão em cumbuca’, quem dizia isso, era um preto velho magro, estiloso com uma bengala na m,ao direita e um lenço branco na esquerda, um perfeito griot. Nego Dito arrepiado e com os cabelos em pé, saltou de lado, cruzou os dedos, mas não perdeu a pose, falou em alto e bom tom: ‘covarde sei que me podem chamar’. O griot deu risada...
Já Negro Gato ficou sabendo de uma cabritada lá no morro, colocou seu terno branco combinando com o sapato e o chapéu panamá, mal entrou na festa, viu um camburão subindo a rua e todos saíram correndo deixando o cabrito sozinho no meio da mesa... Negro Gato ainda parou no meio do Caminho mas uma voz ao longe gritou: ‘ei malandro, não meta a mão em cumbuca’. Era um capoeirista com um berimbau colorido, um belo sorriso e seu refrão preferido era: ‘o escurinho, era um escuro bonitinho que lá no morro tinha fama de brigão’, também era um mestre!

Voltando às Montanhas.
‘Meu, você sai lá da ZL, vem pra minas, especificamente Miraí, atrás de um griot e esquece que do seu lado tem um nego velho, com sapatos engraxados, pandeiro na mão e que também é um grande contador de histórias. Gosta de samba como ninguém, veio de Minas como eu, cai no congo, no dendê e seu nome é Nenê.
Mora do lado da sua casa, sabe aquela rua em frente a quadra do samba? Lá ele montou uma escola que ensina a meninada a tocar bumbo, cuíca, reco-reco, frigideira e tambor. Dizem que ainda dá uns passos de capoeira e também joga tiririca.
Quando você for à feira escolher laranjas, dê uma passada por lá e converse com ele, acho que você vai gostar’.


Voltando ao Morro.
‘Oi cara! Você atravessa o morro, pra se dar mal, sendo que do seu lado  tem um fulano todo bonitinho, bengala em cima, colarinho passadinho, camisa listrada e também cheio de boas intenções, quer montar uma escola.
Dizem, que não deixaram, nem ele , nem seus amigos, freqüentarem as outras... Aquelas que  apenas  alguns tem permissão’. Seu Ismael era o cara!
Amigo de Antonico, tinha andado na corda bamba. Chamou outros mestres, levantaram muro, criaram espaço, pintaram de várias cores, cores da vida, quiseram colocar um nome, pensaram bem, analisaram, uns a favor, outros contra, e o nome saiu: Deixa falar. E olha que falaram...

Cultura
“Tiririca é faca de cortar, quem pode não intimida, deixa quem pode intimá”, cantava o mestre Nenê do Pandeiro. Nego Dito saracoteava pra lá e pra cá, jogava a perna pro alto, descia, mas não deixava cair o óculos. Agora sua cor, quer dizer, a do óculos, era azul e branco e sua camisa brilhante tinha uma águia com as asas abertas onde podia ser lido: “zona leste somos nós”.
Falaram assim pro Negro Gato, pare de miar meu amigo, vai a luta, aproveite suas sete vidas e comece a falar do seu Morro. Fale de João Mina, de Oswaldo, da Pérola negra ou branca, fale de sua mãe e assim, Negro Gato começou a recordar: ‘Onde o sol bate se firma, my Black, black2back, Jimmy Cliff, Bob Marley, Roberto Carlos’. Pegou um caderninho e começou a escrever: ‘lava roupa todo dia, que agonia...’ passarinho ouviu, eu sou quase cigano, Maura, escola de samba, São Carlos, morro, ginga, vai pra cá, vai pra lá, perna pro alto, segura o óculos malandro. Negro Gato não aguentou, deixou pingar uma lágrima por baixo dos óculos, pegou uma camisa e enxugou seu pranto.

Eis o que estava escrito na camisa: ‘Estácio, eu e você’.

‘Vai cuidar da sua vida, diz o dito popular’, outra vez o dito, não o Nego Dito, mas um dito novo, o Benedito. ‘Vá pro mundo rapaz! Você já falou com Elza Soares da vida? E ela disse: ‘vivi, vi e dividi, noutros continentes, então, procure Elke, mulher maravilha, uma negra alemã. Peça-lhe para falar, que você entende: “Ich liebe dich frau. Mau zen, auer, Heine, sal. Genau, genau. Ich laise, dech frau, genau, genau. Um guter, morgen já. Das heind alo Alá. Arz\eit, guten natch und amém.”
Nego Dito, Benedito Beleléu estava batizado em outra lingua, comendo feijopada em alemão, comendo queijo suíço, o ritmo era outro, o fio era outro, o calor humano era outro.
Dito pôs-se a pensar: ‘ser ou não ser, será o Benedito?’ Voltou mais maduro, arrumou uma cuíca, desceu no Bixiga, pegou um o pandeiro com o Oswaldo e sapecou: ‘quem nunca viu o samba amanhecer...’
Elza e Elke gostaram.

 Já Melô, foi pra Bahia.
Ver o por do sol no Farol da Barra, super tudo, super herói, herói carioca, dos morros, no coração do Brasil.
Se apaixonou pela baiana Maura, ficou naquela que dá dó, olhando a lua andar só. Mas isso foi o alimento da horta, conheceu a garota Jane, outra paixão e Negro Gato ficou louco, deu pra escrever em forma de poesia, coisas que só o amor explica.
Jogou capoeira com Mestre João Pequeno e falou com o Cobra Mansa, outro mestre. Seguiu bailando por Pituaçú, a Lagoa Encantada, vendo fadas e borboletas, sonhou sozinho e deu passos pensando nas conversas com os mestres. Ilusões fartas.
Quase morreu de amor, virou passista da vida, ouviu Bob Marley pra entrar no ritmo dessa vida e Roberto Carlos pra reforçar seu amor.

Dançou nos bailinhos, ouviu blues, rock e samba junto com o Riachão. Frequentou a Cantina da Lua e chegou a uma conclusão: ‘minha música sou eu’.
Não quis se tornar um mico de circo, procurou por Ébano, foi pro Ilê, e na liberdade tentou ser  peregrino sábio dos enganos, e apesar de apaixonado sentiu saudades das subidas dos morros cariocas.
O rapaz era felino, negro gato um felino que também gostava do asfalto. Então, voltou com outras ideias, queria ir pra São Paulo.

 Persigo São Paulo
Não, não, São Paulo é outra coisa, não é exatamente amor, é identificação absoluta. Vovcê vai conhecer o Lira que é paulistano ou a Lira Paulistana, o mercado da pulga. Vou te apresentar uns amigos que tocam com o vento, que fazem boa música. A Lira, a música que você escolheu. Faz música com o corpo, com a boca, tem cabelo de meduza como o nosso. É grande e é gigante. Gigante, negão como o Negro Gato e Nego Dito.
Música na veia pra ficar pirex. E aí Melô, vou te levar pra leste, mas te fou um toque. Porra meu! Não dei rolê de rolex, sou louco, moro na Penha, zona leste, seja bem vindo, obrigado, Benedito João dos Santos Silva, vulgo Beleléu. Achei maravilha porque vocês me transaram numa maior, aqui e em Salvador.
Achei vocês, figuras legais, gostei de conhecê-los, gigantes músicos soprando vidas pelos metais e pelos movimentos de pretos e brancos, mas sobretudo, Pretobrás, vamos incomodar muita gente.

 Circos Voadores
Não é que Melô levou-os ao circo? Junto com o Farofa, que era carioca e tinha outro Medusa chamado Jorge, não era velho, mas era negro. Negro Jorge, cantou pro Dito, falou de são Benedito, Inhansã, Cosme e Damião, cantaram juntos, Jards, Melodia, o tempo todo.
‘Chega aí meu irmão, vou te mostrar o mangue. Você já falou: Deuhslment, duth free e daí? Cantar estancou meu sangue.” falou Seo Jorge para aquele outro negro, ou preto, Pretobrás.
Melô aproveitou pra agradecer o role sem rolex e por falar em pirex, rumou pra Engenho de dentro, falando da cabine 103.
Antes disso, passaram no Estácio e em São Carlos, olharam a infância do alto, rabo de pipa, olho de vidro, virou condão.
Pegou um violão e junto com vários professores de boinas  e óculos gatinho, saíram cantando: ‘se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí.’ Ali também tinha Lira, apesar de ser um circo. Os metais eram afinados, senhor Moura, Oswaldo e Jorge. Assim, Beleléu voltou contente para a ZL, o senhor Brás, agora era um Pretobrás.
Começava assim, a mais nova história.

 Saudades!
Cheguei bem, com saúdo, vestido de luneta, sigo meu caminho, não passo de um malandro, de um moleque do Brasil, obrigado pela recepção, pela lei natural dos encontros, ninguém vê minha sacola.
‘todo bairro tem um louco, que o bairro trata bem, só falta mais um pouco pra eu ser tratado também. Ópios, edens, analgésicos, não me toquem nessa dor, ela é tudo que me sobra. Sofrer vai ser a minha última obra’.
Que mais posso falar dessas coisas que vejo e sinto. Sim meus óculos iguais aos outros, meu suingue também. Aí tem coisa, meus cabelos então, duros, mas meu miolo não é mole, duro ou não, como aquele do farofa ou como aquele do gigante que te falei, parecidos com medusa. Me diga uma coisa: como é mesmo aquele outro que você me apresentou lá no circo?

 Melô responde
Cara, cara, cara, aquele maluco é o Experiência. Damião Experiência, roupas feitas com tampas de refrigerante e violão também forrado de tampas coloridas que abafam o som das cordas, dando outro colorido à música.
Damião tem os cabelos como o nosso e também tem experiência no nome.

Nego Dito reflete
Você me deixa louco, você me deixa de careta. Agora perdi o rumo, somos muito parecidos, mas também diferentes. Não sou seu clone, não és o meu, fale você agora, mas não fale por mim, nem por você. Entendeu?

 Melô arremata
Meu amigo, sou uma pessoa que tá vivendo aquela coisa de são Carlos entende? Não a estrela, porque já tem uma coisa dentro de mim, sacou?
Esse lugar durante minha infância me ensinou muito, aqueles chorinhos e sambas canção que meu pai tocava e falava que era dele, tenho dúvidas, mas eram bonitos. Me lembrava de Beda, magrelinha, fico pensando o tempo todo nisso e isso me balança, fico gingando, entendeu?

 Beleléu reflete
Entendi e não entendi, não é por aí e nem por aqui, agora é que são elas. Orquídeas de novo, meu amigo Arrigo, anota as notas musicais, tubarões voadores, atonais, anotais.

Melô Remete, remetente
Koellreutter meu amigo também atonal é aquele lá. Alemão brasileiro, irmão de músicas novas, músicas vidas, Smetak, Anton. Antonais, atonais, música é vida, música viva, assinado, Melô.
E por aí vai e por aí foram... falando de música, poesia, lindas melodias, falaram de rosas, ‘tu és divina e magistral’ e musicaram a rosa, como Pixinga. Falaram de corneteiros de exército, que viraram maestro. Maestro Moura de naipes e metais, vil metais e por aí vai. Já Beleléu agradeceu a gentileza, convidou Branca di neve e meteu bronca no novo gingado, suingado corporal feito de rodopios e ameaças, nasci no Paraná, pá, pá, pá, pá... Mas não era nada disso, só apresentações, quase todas iguais.

Melô convida
Caro amigo, não me leve a mal, gostaria de revê-lo junto com  seus outros amigos, aqui no Rio, acho que eles gostariam de conhecer o campo do Politeama, fica no Recreio dos Bandeirantes. Já reservei o horário da tarde para que possamos jogar e acabar de vez com essa confusão, todos aqueles que falamos estarão presentes, o juiz será o camisa 10 do Politeama e a torcida, quem quiser é só chegar.
A cor do uniforme será como o do Vasco da Gama, sugiro que vocês venham com o uniforme da Portuguesa. Paulinho como bom vascaíno jogará para nós.

Nego Dito contesta
Não sugira nada Negro Gato, deixe que eu me viro, vai cuidar da sua vida. Eu fico louco, faço cara de mal e faço o que me der na cabeça. Nada disso irmão, agradeço o convite e convidarei o time e a torcida. Arrume um lugar especial para as orquídeas, as crianças, beneditas ou não, o resto é comigo. Viver vai ser a minha última obra. Xis garaviz, tebaida me entibia. Leminski disse.

Pra terminar
Venha com uma musicalidade tirada de alguma forma, ligada numa porrada de coisas, vai fazer amor no ninho, fale de Stolckaussen. Atonal, Milles com seu trompete, Guerra Peixa com a negra Melodia, surra de chicotes, Vila Lobos, tudo conta a favor, favor cantar, cante em qualquer canto, canta a bela com a fera, Jamelão cantando é doidera. Jamelô. Lindas e Negras Melodias.